Michel Eyquem de Montaigne (1533 — 1592) foi um jurista, político, filósofo, escritor, cético e humanista francês, considerado como o inventor do ensaio pessoal. Nas suas obras analisou as instituições, as opiniões e os costumes, debruçando-se sobre os dogmas da sua época e tomando a generalidade da humanidade como objeto de estudo.

Ele criticou a educação livresca e mnemônica, propondo um ensino voltado para a experiência e para a ação. Acreditava que a educação livresca exigiria muito tempo e esforço, o que afastaria os jovens dos assuntos mais urgentes da vida. Para ele, a educação deveria formar indivíduos aptos ao julgamento, ao discernimento moral e à vida prática.
Montaigne foi um pensador ético. Procura indagar o que está certo ou errado na conduta humana. Propõe-se mais estudar pelos seus ensaios certos assuntos do que dar respostas.
No fundo, Montaigne está naquele grupo de pensadores que estão a perguntar em vez de responder, e é na sua incerteza em dar respostas, que surge um certo cepticismo em Montaigne. A sua proposta de escrite a partir da experiencia pessoal “o ensaio” torna-se numa importante fonte de pesquisa sobre o real percecionado por cada uma. A verdade absoluta deixa de estar ao alcance do homem, sendo doravante, possível tão-somente uma verdade por aproximações.
Montaigne influencia a questão da consistência do homem e das suas ações no mundo. Sua obra Ensaios desafia a crença no Eu sólido e substancial para enfatizar a inconsistência natural do homem, e assim traz uma mudança da valorização da profundeza do homem para sua superficialidade.
Sobre a educação das crianças – Montaigne
“Mas na realidade disso [educação das crianças] só entendo que a maior e mais importante dificuldade da ciência humana parece residir no que concerne à instrução e à educação da criança. O mesmo acontece na agricultura: o que precede à semeadura é certo e fácil; e também plantar. Mas depois de brotar o que se plantou, difíceis e variadas são as maneiras de tratá-lo. Assim os homens: pouco custa semeá-los, mas depois de nascidos, educá-los e instruí-los é tarefa complexa, trabalhosa e temível. O que se revela de suas tendências é tão tênue e obscuro nos primeiros anos, e as promessas tão incertas e enganadoras que se faz difícil assentar um juízo seguro. […] Tudo se submeterá ao exame da criança e nada se lhe enfiará na cabeça por simples autoridade e crédito. Que nenhum princípio, de Aristóteles, dos estoicos ou dos epicuristas, seja seu princípio. Apresentem-se-lhe todos em sua diversidade e que ele escolha se puder. E se não o puder fique na dúvida, pois só os loucos têm certeza absoluta em sua opinião.Porque se por reflexão própria abraçar as opiniões de Xenofonte e Platão, elas deixarão de ser deles e se tornarão suas. Quem segue outrem não segue coisa nenhuma; nem nada encontra, mesmo porque não procura.
Que ele tenha ao menos consciência de que sabe. Não se trata de aprender os preceitos desses filósofos, e sim de lhes entender o espírito. Que os esqueça à vontade, mas que os saiba assimilar. A verdade e a razão são comuns a todos e não pertencem mais a quem as diz primeiro do que ao que as diz depois. Não é mais segundo Platão, do que segundo eu mesmo, que tal coisa se enuncia, desde que a compreendamos e a vejamos da mesma maneira. As abelhas libam flores de toda espécie, mas depois fazem o mel que é unicamente seu e não do tomilho ou da manjerona. Da mesma forma os elementos tirados de outrem, ele os terá de transformar e misturar para com eles fazer obra própria, isto é, para forjar sua inteligência. Educação, trabalho e estudo não visam senão a formá-la. Que ponha de lado tudo aquilo de que se socorreu e mostre apenas o que produziu. Os ladrões e os que vivem de empréstimos, fazem alarde de suas casas, de suas compras, não do que tomam aos outros. Não se conhecem os ganhos de um magistrado, vêem-se os casamentos e as honrarias que arranjou para os seus. Ninguém publica suas receitas e sim suas despesas. O proveito de nosso estudo está em nos tornarmos melhores e mais avisados. É a inteligência, dizia Epicarmo, que vê e ouve; é a inteligência que tudo aproveita, tudo dispõe, age, domina e reina. Tudo o mais é cego, surdo e sem alma. Certamente tornaremos a criança servil e tímida se não lhe dermos a oportunidade de fazer algo por si. Quem jamais perguntou a seu discípulo que opinião tem da retórica, da gramática ou de tal ou qual sentença de Cícero? Metem-nas em sua memória bem arranjadinhas, como oráculos que devem ser repetidos ao pé da letra. Saber de cor não é saber: é conservar o que se entregou à memória para guardar. Do que sabemos efetivamente, dispomos sem olhar para o modelo, sem voltar os olhos para o livro. Triste ciência a ciência puramente livresca. Que sirva de ornamento mas não de fundamento, como pensa Platão, o qual afirma que a firmeza, a boa-fé, a sinceridade, são a verdadeira filosofia, e que as outras ciências, com outros fins, não são mais do que brilho enganoso.”